quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Sente-se, incapaz.


O homem se sente um incapaz. Na largada da vida, os outros já correm a galope sob éguas puro sangue. Agora não há sequer uma mula à sua espera. Não resta-lhe escolha senão marchar duramente. A pé.
Na imperceptibilidade de sua existência, vagueia entre os sons e sombras da cidade. Os sinos são seu martírio: cada badalada trespassa seu peito e volta lhe serrilhando as entranhas. Lembranças de um tempo que foi seu.
Quem dera Deus lhe concedesse o silêncio. De nada o adiantaria, é no silêncio que se pronunciam Sílvia e seu canto de sereia. E como o canto ainda era audível! Ela era tão perto... Tão sua!
O infeliz clamava por ceguidão. Algum consolo para a dissabor da situação que pertubava-o pelas manhãs de domingo. Nada mudara nela. Cumprimentava-o com um beijo na bochecha magra, ele retribuíra com um amarelo sorriso de meia-boca. Pobre e incapaz! Ele era uma mão magra de ancião tentando agarrar uma ventania de outono. E ela continuava a usar os vestidos de estampa colorida. Caracois castanhos, olhos de fogo. Nada mudara nela.
Novamente ressoaram os sinos, oração aos céus pedindo por chuva. Prontamente atendida. Deus ainda era bom: água caía leve e quente sobre o rosto do infeliz.
Pensou novamente em Sílvia e na canção que cantaria apreciando tão formoso arco-íris sobre as tendas de feira. Cantava por tudo! E como se aquele homem precisasse ser mais castigado, cessou-se a sua chuva. E o sol brilhou feio.
O homem desatou a chorar. Não havia éguas, nem mulas, nem Sílvias, nem silvos, nem chuva. Refugiou-se num banco de praça. Aquietar a alma era o remédio que precisava. A voz de sereia o mandava sentar-se. Sentou-se, então, fechou os olhos e acordou para a vida.