quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Memorial de Leitura: Primeira Parte


Reconstruir minha trajetória de leitura é uma atividade laboriosa: reviver as memórias que há tempos estão adormecidas e fazê-las renascidas ao ficcionar minha vida através desse memorial. Uma vez que a dimensão da experiência é primordial para essa reconstrução, divido minha trajetória em duas partes separando-as por uma específica experiência literária.

PARTE 1 
      Aprendi a ler aos seis anos de idade no Instituto Kelly, escola infantil onde minha mãe foi professora antes que eu nascesse. Como em todo pré-escolar, a professora Silvana era tia de todos e introduzia as letras e sons às pequeninas crianças da turma de 1999. No processo de alfabetização as vogais e consoantes eram sempre relacionadas a ferramentas e outras coisas do cotidiano, e refletiam uma estratégia pedagógica muito interessante. Por exemplo: a forma e som da consoante p representavam o martelo do pai que trabalhava, e a letra s era a forma e o som de uma cobra sibilando. Malvada e secretamente fazíamos a leitura da Tia Silvana como a própria letra a, pelo seu aspecto ligeiramente redondo. 
      Nesse contexto tive minhas primeiras experiências de leitura. O Jogo das Palavras, de Zélia Almeida, era um livro didático que continha várias fábulas para iniciar a prática de leitura. Com o avanço do nosso processo de alfabetização, os textos iam ficando maiores e as perguntas de interpretação iam surgindo. Cada aluno deveria ler o texto da aula em voz alta na sala de aula e depois copiá-lo no caderno. Recordo-me do último e maior texto do livro, cujo título era Quem vai passar. Era assunto famoso nas conversas na hora de merenda o dia em que leríamos na aula o texto gigante de quase 20 linhas. Quem vai passar narra a história de um caminhão apressado que pretendia atravessar uma linha férrea e, quase sobre os trilhos, se depara com um trem vindo em sua direção. E como um bom livro infantil, nada houve de trágico ao fim da historinha. Ao ler a última história do ano, senti a sensação estranha de estar mais próximo de outra etapa. Com a história do caminhãozinho acabava-se minha alfabetização e eu já começava a pensar nos desafios que estavam por vir.
      Era um grande privilégio poder ir à biblioteca Vovô Felício na Escola Estadual Randolfo José da Rocha e escolher dois livros para levar para casa. Fossem dois livros grandes ou pequenos, nunca podiam ser mais que dois. Ainda que nenhum dos livros emprestados fosse realmente lido, o fato de ter a quantidade de livros limitada causava certa inquietação – ainda me causa hoje, na universidade. No restante do ensino fundamental desenvolvi meu gosto pela leitura através de romances muito significativos, como Ana Terra e Um Certo Capitão Rodrigo - ambos de Érico Veríssimo-, e pela leitura bíblica. Minha conversão ao protestantismo nessa época me instigou diariamente ao conhecimento da fé que em mim havia nascido. Lia alguns capítulos todos os dias e ao final do ano tinha terminado toda a Bíblia. Ler a Bíblia e os romances era – e ainda é – muito bom. No entanto, a leitura somente se transformou em um verdadeiro deleite depois da minha leitura de Olhai os lírios do campo.

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