sábado, 25 de outubro de 2014

20 posts com Cecília


Eu conhecia apenas a poetisa: a Cecília da feminilidade em sua essência, dos versos construídos de graça e beleza, da infância doce e eterna da vida.
Ganhei, então, de presente uma compilação de crônicas para jovens, editada por Antonieta Cunha e publicada pela Editora Global. 
Li, reli e me senti velho diante da jovialidade da cronista Cecília Meireles.
Era muita riqueza de simplicidade, de louvor à natureza e à sabedoria popular.
Precisava registrar minhas impressões para que não fugissem no emaranhado dos dias.
Farei, pois, durante 20 postagens acerca de 20 crônicas, uma apropriação (como gostam os linguistas) honrosa das palavras de Cecília ao meu maltrapilho discurso.
Finalizo essas minhas enunciações com a poetisa (meta)discursando poesia:



E aqui estou, cantando.

Um poeta é sempre irmão do vento e da água:
deixa seu ritmo por onde passa.

Venho de longe e vou para longe:
mas procurei pelo chão os sinais do meu caminho
e não vi nada, porque as ervas cresceram e as serpentes
andaram.

Também procurei no céu a indicação de uma trajetória,
mas houve sempre muitas nuvens.
E suicidaram-se os operários de Babel.

Pois aqui estou, cantando.

Se eu nem sei onde estou,
como posso esperar que algum ouvido me escute?

Ah! Se eu nem sei quem sou,
como posso esperar que venha alguém gostar de mim?


MEIRELES, Cecília. Discurso. In: Poesia completa. 4ª ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1993.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Profissão de Fé

quem é este tal
chamado professor
(que rima com dor
mas também rima com valor?)
o professor é aquele que avalia o menos e o mais
um eterno matemático
a fazer a média ponderada das situações
mediando as culturas e os saberes
permitindo aos pupilos fazerem-se sujeitos.
é quem professa votos à educação
muitas vezes vencido pelos seus vencimentos,
(um soldo sem saldo)
ou pela palavra mal-dita de pai,
ou pelo descaso desacato de mãe,
ou pelo estilete apontado de filho.
é profissão de fé
que não é credo niceno
mas comunga das virtudes da boa doutrina,
aquela que abre caminhos à vida!
não é mero despenseiro de saberes palmatórios
d'alto dum pedestal de marfim.
tampouco é como diz a nossa nova pedagogia
não é simplório coadjuvante da aventura escolar
mas é ministro de sacramentos:
propicia a ceia com os gigantes do mundo das ciências e logias,
na qual todos comem juntos pão e vinho,
e o batismo nas águas da cidadania.
é aquele que disse Coralina:
aprende e ensina
sabe bem quando assumir um papel no palco
e quando deve se fazer plateia
magistério é ministério
e também mistério:
é o homem permanentemente aluno.
quem é este tal
chamado professor
(que rima com dor
mas também rima com valor?)
o professor é, antes de tudo, um forte.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Confiança


"Coragem proveniente da convicção no próprio valor; 
Esperança firme;
Fé que se deposita em alguém",
diz o dicionário sabido.
eu, sendo assim, sou covarde.
não tenho mais a coragem da entrega
meus pés firmaram demais no chão
não consigo mais voar contigo
pelo medo de cair, de cima,
sozinho.
não tenho a absoluta convicção 
no valor que criei com tanto carinho
como uma mãe sabiá cuidando dos filhotinhos.
Devo ser qual cantou o sertanejo:
sou igual ao sabiá
quando canta é só tristeza
desde o galho onde ele está.
Minha esperança, nada firme,
é que a esperança volte.
E a fé,
esse salto maravilhoso da fé,
guardo para Deus
e tão somente para Deus
e seus mistérios da meia-noite.


segunda-feira, 15 de setembro de 2014

O dia que pensei ser o fim do mundo mas não era nada disso

No sábado às sete da manhã
um repentino e terrível vendaval balançava as janelas de lata
assobiando furioso.
Pelas janelas eu via as árvores dançando loucamente
como se não houvesse amanhã
serpenteando escatologicamente.
Um alarme disparava ao longe
uma voz misteriosa, nem tão longe, começava a discursar na escuridão.
Seriam os sete anjos
tocando as sete trombetas
arrebatando os homens e mulheres nus
anunciando o fim-de-todas-as-coisas?
Aquietei-me, enfim,
quando bêbado de sono
e com fome de sonho,
descobri na janela:
eis o mistério da fé!
silencia-se o alarme
e a voz do vendedor, agora perto,
anuncia seu amendoim torrado.
mais sete minutinhos!
Deitei,
dormi,
em paz.




quarta-feira, 9 de julho de 2014

Drummond: poeta e profeta

Foi-se a Copa?
Carlos Drummond de Andrade

Foi-se a Copa? Não faz mal.
Adeus chutes e sistemas.
A gente pode, afinal,
cuidar de nossos problemas.
Faltou inflação de pontos?
Perdura a inflação de fato.
Deixaremos de ser tontos
se chutarmos no alvo exato.
O povo, noutro torneio,
havendo tenacidade,
ganhará, rijo, e de cheio,
A Copa da Liberdade.

Publicado no Jornal do Brasil em 24/06/1978.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Estrelas

Preciso alguém que queira
ser protegida
e se surpreenda com minhas ternuras e me faça as suas
que me devote doçura
e sorrisos sinceros
que não tenha medo de matar sua vontade junto com a minha
pra fazer a nossa.

Preciso alguém que queira ver comigo as estrelas
e se alegre na simplicidade de tudo
onde sentar na pracinha feinha do bairro
seja virtude de estar junto.

alguém que creia
só ser preciso,
fé, um beijo, um queijo e as estrelas.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Lenine, paciência e a raridade da vida

Na contemporaneidade não existe espaço para a paciência. Tudo tem que ser rápido. Atendimentos, entregas, telefonemas, abraços, conversas, beijos, viagens. Nosso tempo é curto para tanto compromisso. Tomar um bom café com a família, uma boa prosa com os amigos e namorar sem pressa são utopias. No corre-corre do tempo presente, um carro te fecha no trânsito, um colega de trabalho importuna você, professores não divulgam notas, a coxinha vem fria da lanchonete, o pão-de-forma está no lado direito da bancada da cozinha e não no lado esquerdo. Tudo aquilo que contraria a nossa vontade é motivo suficientemente justificável para nos irritar. Saímos do sério e perdemos a razão por simplesmente não aceitarmos um contraponto, uma opinião diferente ou uma situação que não estava planejada. Esse comportamento irritadiço denota uma visão hedonista da realidade.
Nas Escrituras vemos que Jó esperou com paciência em suas tribulações, Jacó esperou com paciência por sua esposa Raquel e tantos profetas esperaram pacientemente a resposta e a justiça de Deus. Abraham Kuyper diz que a "paciência é um fruto do Espírito, sua semente não está conosco". Se a paciência está ausente em nós, é tempo de repensar. A vida é oportunidade única e maravilhosa de propagar as maravilhas de Deus através das belezas  por ele criadas. Vida essa que exige de nós paciência. Paciência para aguardar as repostas certas. Paciência para trabalhar por mudanças e também para esperar que elas aconteçam. Paciência para se calar quando preciso e controlar o que fala, que é sempre preciso. Paciência para comer, orar, ler, namorar, trabalhar. Paciência para entender que nossa vida é rara e preciosa demais para viver sem paciência.


  


Será que é tempo
Que lhe falta pra perceber?
Será que temos esse tempo
Pra perder?
E quem quer saber?
A vida é tão rara
Tão rara.


REFERÊNCIA:
[1]  KUYPER, Abraham. Paciência, uma raridade. Disponível em <http://www.monergismo.com/textos/frutos/paciencia-raridade_kuyper.pdf>. Acesso em 04 de abril de 2014.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Somos dois

na terra-média
somos arwen e aragorn
na américa bonnie e clyde e
também somos
jennifer e jonathan hart

somos tupiniquim
ceci e peri
bibiana e capitão rodrigo
en la mancha nosotros somos
quixote e dulcinéia

provincianos somos
elizabeth e darcy
humanos somos
basílio e luísa
lancelot e guinevere

somos classicamente
dante e beatriz
tristão e isolda
penélope e ulisses

para mim
somos eugênio e olívia
mas no fim,
todos somos
riobaldo e diadorim.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Mataram um homem no Coração Eucarístico

hoje às vinte e duas horas mataram um homem na rua Padre Demerval Gomes
o rapaz era um conhecido ladrão de carros
que quis levar mais um na rua Padre Demerval Gomes.

carregada a arma, mostrou à vítima querendo rendição
vítima era policial
legitimou sua defesa atirando no ladrão
o comparsa trocou tiros mas fugiu na escuridão.

chega mais polícia para periciar o caso
chega gente (vem ver)
chega mais, gente! vem ver!

o comparsa sumido
o corpo estendido
e os smartphones em riste jornalístico
e graças a isto, é possível vermos
e revermos
e revermos
com uma riqueza impressionante de detalhes na filmagem hd 41 megapixels
o brilho nos olhos do morto
a baba de sangue da morte.

em outro lado da cidade a mãe nem sabia ainda
fazia a janta da casa e esperava o filho bandido
era bandido, mas era filho e era gente.

legitimidades do caso:
o policial agia em legítima defesa
da vida
a população agia em legítima defesa
da curiosidade
o whatsapp agia em legítima defesa
do prazer visceral pela morte.

domingo, 30 de março de 2014

Leni

Fechei os olhos e nos imaginei em praia
você ao piano me tocava os ouvidos
seu cabelo serpenteando ao vento da maré

Ao ver-te sorrindo morri e vivi
morri, pois me transportei aos últimos céus em transverberação.

Abri os olhos sem praia sem piano
mas tendo você ainda e o sorriso...
Ah! aí quando te vi assim
assim como és,
aí sim.
aí sim é que vivi.

segunda-feira, 17 de março de 2014

Bem no meio do Coração Eucarístico, uma canção

Bem na Praça da federação
uma sombra nesse coração eucarístico de Jesus, que olha por nós,
bem debaixo dos flamboyants floridos
e outras temporonas árvores que dançam ao vento musicando o dia,
cruzam médicos e doutores
alunos e professores
que por seus problemas crônicos
(pois não há tratamento para a pressa dessa vida)
deixam dadivosa beleza bem no centro de seus esquecimentos
até a vetustade clamar seu tempo
ou de Deus for o intento despertá-los da insânia dessa primavera.

Um dia primavera.
Um dia verão
que bem no centro da Praça da Federação existe uma afinada canção
que atravessa tempo e pensamento.

Quem dirá, pois, qual outra canção?
Além daquela outorgada pelos céus na criação?
cantando luzeiros sobre a escuridão
bem no meio desse eucarístico coração.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Sofro

Quanta tristeza não cabe no meu peito
já chorei do corpo toda a água
fico debruçado na janela imaginando:
será que na rua abaixo estás tu também debruçada
e na janela suspira triste a minha falta?
um canto melancólico na vizinhança abate-me ainda mais
e quando ouço a música da bela flor
não contenho as lágrimas
em meu sonho estamos novamente juntos
aos beijos e abraços e te-amos
dançando a mais bela sinfonia da Terra.
Não sei que será
só sei que sofro
da vida, minha nova certeza

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Insatisfação

_Uma fruta quase madura.
_Ainda é verde.
_Copo d'água com mais da metade.
_Ainda está vazio.
_Viagem de quase um mês.
_Ainda é pouco.
_Economizar quase todo o salário.
_Ainda é ninharia.
_É quase a mais azul.
_Ainda é incolor.
_Quase cheio de açúcar.
_Ainda está amargo.
_Quase adiantados.
_Ainda é atraso.
_É quase o maior.
_Ainda é pequeno.
_Chegar quase no topo.
_Ainda é baixo.
_Quase salgado.
_Ainda é insosso.
_Ser quase o melhor.
_Ainda é fracasso.
_Quase no ponto.
_Ainda está cru.
_Quase tudo.
_Ainda é nada.
_Quase brigando.
_Ainda está bem.
_Quase indo embora.
_Ainda está aqui.
_Quase um ano.
_Ainda dói.