sexta-feira, 6 de março de 2015

Sabiás românticos, por Cecília Meireles



Se eu disser que o mês de agosto chega no bico dos sabiás - quem me vai entender? Quem me vai entender, se eu disser que entre as névoas da manhã, sabiás invisíveis - nas mangueiras? nos ipês? - anunciam o céu azul e o dia mesmo? Ninguém sabe mais o nome das aves. As aves desapareceram com as muralhas de cimento armado, com os fios que cruzam os ares, com a fumaça e os ruídos da cidade hostil.
Os velhos cronistas que viram uma terra diferente, puderam anotar com minuciosas palavras: "... criam-se em árvores baixas, em ninhos, outros pássaros, a que o gentio chama sabiá-oca, que são todos aleonados, muito formosos, os quais cantam muito bem ... " O ouvido do segundo cronista era mais apurado - e ele escrevia: "Outro pássaro se acha, chamado sabiá, da feição do melro de Espanha - e antes cuido que é o próprio, porque canta como eles, sem lhe faltar mais que um dobrete..: " Um terceiro cronista opinava:"... sabiás que chamam "das praias", por andarem sempre nas ribanceiras (onde só cantam), mais que todos suaves."
Não me lembro de ter ouvido esses cantos "mais que todos suaves" entre os versos do século XVIII. Nesse tempo, andavam os poetas ainda muito lembrados dos rouxinóis europeus, e a paisagem brasileira facilmente se confundia com os bosques da Arcádia.
Foi preciso que viessem os românticos, já num Brasil independente, para que, na culta Coimbra, uma voz recordasse os bosques e as várzeas da pátria distante e escrevesse a "Canção do Exílio":

"Minha terra tem palmeiras
onde canta o sabiá..."
 Os jovens poetas que se seguiram, todos se lembraram do pássaro de voz suave:
"É um país majestoso
Essa terra de Tupá,
Desd' o Amazonas ao Prata
Do Rio Grande ao Pará!
- Tem serranias gigantes
E tem bosques verdejantes
Que repetem incessantes
Os cantos do sabiá!"
O sabiá sugeria vozes de anjos mortos, de almas errantes, de gênios da tarde. ("São os sabiás que cantam /nas mangueiras do pomar...")
Chamavam-no "formoso", "sonoro", "poeta da solidão"... Chamaram-no mesmo "alado Anacreonte"...
Isso foi num tempo de mansões, varandas, laranjeiras, mangueiras, quando os poetas conversavam com donzelas líricas e muito frágeis, que lhes diziam: "Nunca mais eu virei, risonha e louca/roubar o ninho ao sabiá choroso"... (Falavam assim, as moças de então!)
Agora vem agosto, nas asas dos sabiás suaves. E eu penso nos velhos cronistas que os descreveram e nos poetas que prestaram atenção ao seu canto: um Gonçalves Dias, um Bernardo Guimarães, um Casimiro de Abreu, um Fagundes Varela, um Castro Alves:... E é como se estivessem comigo, esses poetas, para ouvir, entre mangueiras e ipês, os "chorosos sabiás".

3 comentários:

  1. Olá, poderia por favor interpretar para mim essa crônica?

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  2. É um trabalho de escola, preciso muito interpretar esse capítulo!!!

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